ESTADA

algumas respostas

ainda estão no pé

tem um longo caminho

até que eu possa

venturosamente

colhê-las pra te dar

até já fabriquei

em passados distantes

principalmente

uma resposta aqui

uma outra ali

mas desta vez não

agora serei vassalo

nas tuas terras

lançarei no teu solo

todas as minhas letras

até que os teus freixos

nasçam com meu nome

gravado em seus troncos

também ficarei

trabalhando meu solo

semeando teu nome

até que minhas árvores

acordem como a cana

com teu nome e teu gosto

encravados em si

[17VIII2011]

RITA HAYWORTH AND THE SHAWSHANK REDEMPTION

querer-te-ia aqui

misturada com o café

querer-te-ia aqui

entre as fatias do pão

querer-te-ia aqui

no enredo do filme

que me distrai na tevê

querer-te-ia além

como a cafeína

que dá sentido ao café

querer-te-ia além

como a pimenta

que põe fogo no recheio

querer-te-ia além

como a cena que precisa

virar pôster na parede

querer-te-ia mais

como a sede de espírito

que me leva à xícara

querer-te-ia mais

como a fome de malícia

que semeia a chama

querer-te-ia mais

como um sonho de liberdade

[20VIII2011]

ENCONTRO

sempre espero

que venhas vestida

com uma blusa madura

uma calça razoável

sandálias decididas

maquiagem clara

e batom solúvel

e se possível

espelho nos olhos

pra refletir o brilho

que emana dos meus

quando te veem

a bem da verdade

prefiro que venhas

com os pés nus

apenas calçados

com os calos das batalhas

que tu ousaste

e o corpo entrecoberto

com vestido pintado

por delacroix

e na mão direita

pra nos conduzir

a bandeira deve ter

apenas a cor azul

e a mão esquerda

deve estar desarmada

aberta apenas

para aceitar as linhas

revolucionárias

da minha mão

[06VIII2011]

QUOTIDIANUS

se me desses um sorriso
agora de manhã
eu te faria o desjejum
eu pagaria o teu almoço
eu seria a tua ceia

se me desses teu sorriso
agora de manhã
eu te faria um poema
com um verso inadvertido
pra te estragar de vez

e agora de manhã
se tu desses pra mim
aquele sorriso secreto
eu nem aguentaria
eu perderia as estribeiras

[01VIII2011]

ESBOÇO

não sei fazer maquetes

não sou de projetos

não calculo nada

além de saudades

sou talvez poeta

como chico buarque

e talvez possa

escrever um esboço

posso ser profeta

do nosso futuro

rimando com tuas cores

meus versos pálidos

e nesse esboço

eu sempre estaríamos

assim na primeiríssima

pessoa do plural

e independentemente

de onde nos abrigássemos

o melhor lugar

seria ao teu lado

a melhor parede

não seria pintada

com nada além

dos nossos versos

a melhor cama

não teria lençóis

que não nos confundissem

os suores e os frios

o melhor sofá

miraria a tevê desligada

refletindo nós dois

fazendo cinema

e seria um esboço

sempre esboço

nunca acabado

sempre por fazer

e a cada verso

eu me escreveria

certamente teu

e em cada estrofe

eu te escreveria

de repente minha

 [22.VII.2011]

NESSA VIDA

eu quero a sorte
de construir um amor novo
que não acabe ao fim do dia

que seja firme
como um adeus definitivo
como a palmeira que se inclina

que saiba bem
pôr sal em doces imaturos
e muito açúcar nas feridas

que saiba bem
como chiclete de segunda
e sobremesa dividida

[24VII2011]


"Eu quero a sorte de um amor tranquilo, com sabor de fruta mordida." [Cazuza/Frejat]

ATRASO

eu te queria mais cedo

antes de a insegurança

me subir pelas pernas

eu te queria mais cedo

antes de o teu perfume

escapar dos lençóis

eu te queria mais cedo

antes de o relógio

fingir não ter corda

eu te queria mais cedo

antes de a saudade

perder os seus sais

perder seu desejo

perder a esperança

[16VII2011]

TREVAS

às vezes

na sombra

fico bonito

sem descartes

galileu

newton

sem diderot

voltaire

montesquieu

talvez

mais sombra

onde eu

ou qualquer

me se

escondesse

[29IV2011]

ACENO

às vezes se vão aqueles
pra quem não dissemos oi
nem pudemos dizer tchau

mas que estiveram aqui
navegando em nosso mar
aportando em nosso sangue

[2011]

...

sou ponto final
no meio de orações
entre eu e mim
sujeito objeto

sou substantivo irregular
bilionésima pessoa do plural
adjetivo imperfeito
variavelmente singular

sou verbo abstrato
conjugo tempo impreciso
emito interjeições indefinidas
concordo advérbios de negação

eu sou ego mesmo
não faço sentido
perco sensações
procurando vernáculos

sou só reticências

[2008]

...

senti como amar dói

amante heroico

amei com rimas e rosas

amante óbvio

não deixei me amarem

amante paranoico

perdi todos os amores

amante ócio

e hoje

estoico

[2009]

O VELHO EDMILSON

mas você sabe que eu já disse eu te amo pra você umas quinhentas vezes e em cada uma dessas quinhentas vezes havia um significado diferente dentro dessas três palavrinhas e um sentimento diferente dentro desse significado que às vezes se repetiu numa dessas oitocentas vezes que pra você eu disse eu te amo e significou algo que mudava vez por outra e o sentimento que as três palavrinhas carregavam nem sempre foi o mesmo nessas mil e tantas vezes que eu disse eu te amo pra você e o sentimento cada vez mais sólido e o significado cada vez mais claro e todas as vezes que as três palavrinhas saíram não parecia que eu já repetira eu te amo pra você mais de dez mil vezes com o mesmo significado e com tão inabalável sentimento sabendo que é impossível expressar um sentimento com três palavras ditas um milhão de vezes e você sabe que eu já disse eu te amo pra você umas quinhentas vezes e em cada uma dessas milhares de vezes havia um significado diferente dentro dessas três palavrinhas e um sentimento diferente dentro desse significado e eu não sei se você sabe mas há três palavrinhas com um significado especial pois carregam um sentimento inexplicável e tão forte que é maior do que a gente e eu sei bem pois é bem maior do que eu mas eu nunca disse pra você embora já tenha explodido dentro de mim infinitas vezes sem que desse pra você me ouvir te dizendo eu te amo desde que o primeiro segundo passou logo que houve o big bang e continuou ecoando dentro de mim e eu saindo do cavalo de pau e meu coração batendo forte e eu já disse que é um sentimento maior do que eu e eu nunca disse pra você mas há muito ele ecoa dentro de mim como três palavras querendo explodir e o leão vinha vindo e eu não tive a chance de dizer o que eu sinto sentia e ecoa dentro de mim e já quis explodir tantas vezes e que não arrefeceu com os cortes de punhal e que não temeu a queda da lâmina em direção ao pescoço preso e é bem maior do que nós mas eu nunca disse pra você embora já tenha explodido dentro de mim por tantas encarnações sem que desse pra você me ouvir te dizendo eu te amo logo que sopraram em minhas narinas e o barro transformou-se em carne e as três palavrinhas já começaram a ecoar dentro de mim e eu não sabia que um herói da paramount conseguiria conter tamanha explosão de sentimento que ensaiou sair de mim mas você sabe tão pós-moderna que é que eu te amo e eu lembro de ter dito pra você um dia e talvez tenha até repetido em outra ocasião mas você pode ter entendido outra coisa pois três palavrinhas ouvidas um milhão de vezes podem não significar muito e podem não dar em nada mas você sabe

[2010]

...

stop
a vida parou
não foi o automóvel

[2011]

TARDE

como esses primitivos
que carregam por toda parte
o maxilar inferior de seus mortos
assim te levo comigo
tarde demais

[2009]

CIDADE QUALQUER

casa entre britadeiras
mulheres entre cabeleireiras
amar humor o bar

um homem foje
um cachorro morde
um carro corre
morre-se e ninguém se olha

eta vida besta

[2009]

...

meus gigabytes
e dna
engendraram
as fileiras magras
de uns kilobytes
que ora me intrigam

não chegam
por enquanto
a um mega
a um quase nada
de conteúdo

mas carregam
em sua genética
uma guerra fria
de códigos
e suspense

uma áfrica
de genocídio
e fome

um oriente médio
de lágrimas
e terror

[2011]

...

é preciso saber
terminar um casamento
sem fazer barulho
assim como se termina
um copo de milk shake
sem fazer barulho
um turno de sexo
sem fazer barulho

é preciso terminar
antes que acabe


[2008]

AUTOCITAÇÃO

a grande coragem
que tenho
me torna o primeiro
a ter medo

o grande medo
que me invade
me move à vanguar'
da coragem

[2011]

...

caetano assobiando
for no one
e já se vê
por trás das lágrimas
em meus olhos
sinal de amor
que não há
mas haveria

ainda bem
que há tempos
nós homens
podemos chorar
tendo sempre chorado
pelo bem de ter
e pelo mal de ter
princípios

mas será mesmo
será que podemos
mesmo chorar
e segurar por medo
da luz apagada
a mão de nossas garotas
que só temiam o escuro
quando eram crianças

caetano assobiava
pa tu e pa eu
que segurava a tua mão
querendo te proteger
do escuro que assustou
a criança que foste
do olhar que amedronta
a criança que és

e me proteger
da escuridão total
porque medo
não tenho
do teu olhar
tenho medo
da falta de luz
no fim do nosso túnel

[2009]

LITERACURA

serão literatura
ou apenas a cura
das dores dos meus nervos
os poemas que escrevo

se curar outros nervos
os poemas que escrevo
viram literatura
ou livros de auto-ajuda

[2002]

...

de onde sento
consigo ouvir
tuas palavras
ganhando mundo
e encontrando aqui
neste humilde aldeão
atento interlocutor

de onde sento
só vejo teu perfil
mas mil closeups
hitchcockianos
ou kubrickianos
não me roubariam
tamanha atenção

de onde sento
não vejo muito
só meia face
e muito cabelo
mas estava disposto
a lavrar hipotálamo
e cultivar por ti
paixão platônica

de onde sento
estava tudo bem
até que te viraste
desfizeste teu perfil
e tua voz sem escalas
veio com um sorriso
só pra mim

de onde sento
para onde sentas
a distância acabou
satélites serão inúteis
e a paixão então
não será outra
será aristotélica

[2009]

MATEMÁTICA

saudades sou e estou
mas se me perguntares
estou bem e sou eu

e não será mentira
não amanhã domingo
mas na segunda-feira

na terça de verdade
eu mais ou menos bem
e mais ou menos eu

se perguntares quarta
então estarei eu
e serei menos tu

no meio do caminho
de eu me encontrar de novo
quebrarei as lembranças

pedras não ficarão
mas cinzas de horas velhas
nuvem de pó ao vento

e se fomos felizes
não tivemos motivo
pois ainda serei

se não seremos mais
que faço com a esperança
de um dia ainda ser

se sou e estou saudades
se permanecerei
dois e dois serão quatro

mas todos nós sabemos
que dois e dois são cinco
mas talvez sejam três

[2011]

HORA DO RECREIO II

a Cacaso


de volta ao problema
de que ontem fugi
começo a ponderar
se olhos valem mais
ou menos que lábios

se narizes entram
e se podem comparar
mesmo que se não possa
acompanhar o ar
e sentir os pulmões

enquanto isso lá vão
uma erguendo a outra
elas que no recreio
não saem da gangorra
não me dão intervalo

[2010]

...

nunca gostou
de suas escolhas
mas das outras

nunca gostou
de suas roupas
mas das outras

nunca gostou
de suas coisas
mas das outras

nunca gostou
de sua sombra
mas das outras

nunca gostou
de ser esposa
mas a outra

[2009]

MINHA ALDEIA

aqui
a gente estuda
e não fica pedante

a gente trabalha
e não enriquece

a gente ajoelha
e nunca reza

aqui
a gente tenta ser feliz

[2007]

POP

persegui você
por vários clichês
às bocas pequenas
lenços de papel
capas de best-seller
cartões de natal
temas de novela
canções populares
peles tatuadas
cartazes de filme
vinhetas de rádio
cadernos de escola
cantadas de bar
mas só encontrei
no fim de um poema
de versos vulgares
que fiz pra você

meu jeito natural
de ser feliz

[2008]

PARA KÁTIA ROSE PINHO E NINGUÉM MAIS

ao meu paladar
massas de gás não sabem
bem ou mal

a monotonia
secou-me os olhos
e os arranquei

órfão de sol
vivo um inverno
de sombras mudas

matei deuses
não fito firmamentos
buscando astros

ação tópica
sempre requerem
minhas feridas

dores não esperam
em filas
nem batem em portas

o primeiro verme
roía-me um pedaço
e já ressoava
o eco do réquiem
quando surtiram efeito
as sessões terapêuticas

poesias chegam
via sedex
mas não assino
quiser falar comigo
alugue outdoor
na avenida principal

[2008]


Poema em resposta a este poema de Kátia Rose Pinho:


PARA O EDMILSON E QUEM MAIS CHEGAR

Sentir o gosto de nuvem
Ter olhos gosmentos de vida
Escutar latejamentos de sombras
Ver espantamentos de estrelas

Requisitos básicos
Para desentulhar versos
Sem carecer notas de rodapé

SONATA SECRETA

a melodia apreciada
não sai do violino
a fricção da crina do arco nas cordas
tecendo a sequência de notas
nada tem a ver com ela

mas da mão que segura o arco
dos dedos que pontuam as cordas
do queixo que ampara o instrumento
do olhar que percorre a partitura

saberá a musicista
que emudece o violino
e exala esse som secreto
chamado sedução

[2007]