domingo, 16 de agosto de 2009

...

será que sou só ecos
ecos das vozes que ouvi
e nada mais

ecos do meu pai mordendo
e assoprando
do meu pai trabalhando
e estudando
do meu pai trabalhando
e namorando

ecos da minha mãe sofrendo
e linda
da minha mãe mentindo
e linda
da minha mãe enlouquecendo
e morrendo

ecos de minhas irmãs
distantes e femininas
femininas e distantes
bem distantes
distantes demais

ecos dos vizinhos ignorantes
dos professores ignorantes
dos parentes ignorantes
que tudo ignoravam
e me ignoravam
sobretudo

ecos de tiozahdoque
de cláudio
de washington
de outros
muito poucos
que contracenamos
tragédias e comédias

ecos de paixões sem nome
pois érica andréa manuella
não querem dizer nada
chamas breves
que não sabem saudade

ecos de chamas teimosas
de muitos nomes
machado rosa ubaldo
cabral gullar leminski
moska zeca lenine
hesse dostoiévski
maiakóvski
shakespeare

mas ecos de poucos nomes
pois manuel bandeira
carlos drummond
chico buarque
e caetano veloso
bastariam

ou talvez bastasse
só o professor tomaz

mas ecos mais fortes
tanto que eternos
e que ecoam apesar de
e acima de

ecos só aurora
só brisa
sem nuvem nem chuva
algum arrependimento talvez
mas sem se por
sempre brilho

ecos sol
cíntia
sol
cíntia
amor

mas será que também sopro
que também tiro seus sonos
que também os deixo loucos
e ecoo
matéria de seus espíritos

sou sim ecos
não só
mas na essência
na espinha dorsal
no verso do poema
em que eu sol nós
só brilho

[2009]
...

sempre busquei
na poesia
o ritmo rápido
o verso curto
cosmopolita
mas só me vem
a longa prosa

por isso me armo
tesoura e toalha
cortando frases
tudo enxugando
palavras vírgulas
letras maiúsculas
pontos e espaços

ainda assim
tanto trabalho
a indesejada
me vem heroica
contrariando
este poeta
meio vulgar

este poeta
que odeia pátrias
e odeia heróis
e apenas fala
de seu umbigo
de seus amores
becos e lágrimas

este poeta
muito vulgar
sempre buscou
jingles e slogans
resumo de ópera
e só achou
longos períodos

sem conjunção

[2008]

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

...

nós também somos ibéricos
perdidos em jangada de pedra
pixando muros pela europa
ou espalhados pelo mundo
feitos de uma substância
que vira pó fácil fácil

somos haitianos sem rifle
angolanos sem perna
timorenses sem cabeça
balcânicos mas não sérvios
indianos mas não falamos inglês
sul-africanos e não bebemos tea
afro-americanos e não cantamos rap
chineses de hábito laranja
ingleses irlandófonos
espanhóis bascoparlantes
neobolivaristas inermes
cubanos cubanos

nós também somos ibéricos
cantamos fora de ordem
haiti língua eu sou neguinha
só os raps de caetano
e nascemos noutra jangada
ancorada da bahia ao maranhão

nós somos nordestinos
e não vamos pra são paulo

[2008]
...

vez por outra visto luto
por poemas mal realizados
poemas em que não consegui
ao erguer verso sobre verso
transformar idéia em tijolo
fazer de areia e água poesia

poemas em que não mostro
vir a mágica do estalar de dedos
mas de grosseiro ademane
nem mostro um impossível possível
bocados de pedra e desejo
transformando-se em taj mahal

um poema mal realizado
não cumpre a promessa
o toureiro se deixa ferir
o enxadrista oferece o empate
um mágico de mãos lentas
e o estalar de dedos não convence

um poema mal realizado
é cerimônia de casamento
em que a noiva diz não
é gestação de ansiado filho
em que a criança nasce com asas
pois deus precisa de anjos

um poema mal realizado
é uma gestação infinita
dum filho mais que querido
um filho necessário
gestação sem parto ou aborto
desfile sem apoteose

um poema mal realizado
é filho indesejado talvez
um incômodo constante
um ser que precisa de amor
mas este nunca será nada
nada além de fingimento

mas o que pode fazer o poeta
com seu mausoléu insípido
com sua mágica revelada
com seu poema flácido
se nele existe alguma coisa
que não cabe em lixo ou livro

[2008]