sábado, 26 de dezembro de 2009

CIRANDA

de dez mil sapatos fabricados
sou aquele que veio torto

sou a torre de pisa

sou um leminski
um heterônimo de fernando
um cruz e souza

sou um suicida
prendendo a respiração
no meio da queda
antes de puxar o gatilho

sou uma formiga mandriona
encostada ao pé da imbaúba

de dez mil meninos
sou o último a olhar
sou o último a escutar
sou o último a cheirar
sou o último a tocar
sou o último a beijar

sou um pato
criado entre galinhas

não sou poeta

sou tão-somente
um autista malsucedido

[2002]

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

para Bernardo Valois Souto (e para Miró da Muribeca)

...

nós somos os donos
das nossas verdades
e ninguém tem direito
de nos tirar ilusões
que nos caem tão bem
caia chuva ou caia sol

ninguém só tem direito
de me duvidar os versos
quando for alguém
incapaz de comprar
ou de manufaturar
suas próprias verdades

mas na verdade prossigo
caiam palmas caiam vaias
tirando prata do nariz

[2009]

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

INFIDELIDADE

em minha galáxia
tudo gravita
em tua órbita

todos os altares
erguem-se alto
ao teu encontro

acendo velas
abrindo alas
pros teus milagres

minhas orações
só falam fonemas
da tua língua

eu me pastoreio
à procura das portas
do teu paraíso

meus textos sagrados
trazem teu timbre
e me dão tua graça

acordo e durmo
exclusivamente
pra te cultuar

só peço a ti
que me sejas o pão
de cada dia

pois és minha deusa
e eu teu devoto
monoteico e único

e se sou vil
se em vão às vezes
escrevo teu nome

eu peco sim
mas sempre na esperança
do teu perdão

[2009]

domingo, 6 de dezembro de 2009

MAMA ÁFRICA

no dia que mamãe se matou
eu ladrilhava uma rua
que daria numa avenida
chamada felicidade

elise por sua vez
ensaiava passos
para dançar a coreografia
do grande deus xiva
e refazer seu universo feliz

vaneska a essa altura já era três
eram seis mãos carregando os tijolos
revolvendo as massas
e levantando as paredes
da casa onde haveria felicidade

no dia que mamãe se matou
tentávamos ser felizes
e não sabíamos
como todos alegam já saber
que no ladrilhar
não no fim da estrada
é que está a felicidade

desse dia em diante
começamos a construir ruínas
sabendo então
que já éramos infelizes

no dia que mamãe nos matou
ela quis se matar

[2007]

sábado, 5 de dezembro de 2009

1

tua chama
me chama
pro chamego

divago devagar
até avistar
tuas virilhas

eu libo
tua libido lenta
lentamente

enfrento-te
e entro
entre teus
estranhos lábios

2

a tua língua
atua ainda
em minha boca

eu mordo
teu corpo todo
mas sou pouco

os teus seios
deixo-os mornos
quando lambo ambos

então
semi-enfartamos
fartos e refeitos
a ferro e fogo

[2000/2007]