sábado, 26 de setembro de 2009

...

acabaram de nascer
meus cinco filhos
e ainda não sei seus nomes
nem seus sexos
eles nasceram dentro de mim
estão em gestação
mas já os vejo circulando
como um bando
dominando a sala
conquistando o quintal
como um bando livre
como um bando feliz
uns bárbaros mais que doces
senhores de si e de mim
um homem frustrado
por não ter nascido
cavalo-marinho

[2009]

para Bernardo Valois Souto

...

todo dia vagalumes
vêm à minha janela
dar lições de iluminação
mas minha cabeça
repleta de outros insetos
prende-se a um problema
e meu quarto permanece
universo sombrio
em inerte expansão

[2009]

sábado, 12 de setembro de 2009

...

em meus versos
invariavelmente
rimei amor com dor
mesmo sabendo
ser rima gasta

nunca pude evitar
por não escrever
mas ser instrumento
do santo eu
que em mim baixa

por isso estranhei
quando baixou hoje
falou amor
falou amor
e dor nada

baixasse verso
falando amor
baixava o seguinte
rimando sempre
a mesma palavra

saudade

[2009]
...

além dos pés pelas mãos
meto os pés na lama
e ando arrastado
descalço plebeu
enquanto ela desliza
ou quase flutua
e nunca chega
senão oportunamente
toda elegância

os meus cabelos
limpos parecem sujos
enquanto os dela
sujos parecem limpos
mas será essa a lógica
de nossos pensamentos
se nossos mistérios
parecem os mesmos
espelhados nossos olhos

em minha cabeça
essência de lobo
formato de sapo
não tem auréola
nem coroa
mas na dela um sol
sua coroa
é antiga auréola

que posso eu fazer
se sou tão bobo
se não sou rei
e ela é tão rainha

[2009]

AMOR NÃO TEM REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

amor não é troca
nem entrega louca
não é pão comprado
nem feito em casa
domingo à tarde

amor não começa
fogo invisível
e acaba fumaça
não sabe contar
um segundo
ou uma eternidade

amor não cresce antes
e brota depois
dele não se morre
dele não se nasce

amor não se grava
no tronco de um freixo
nem estraga os muros
da cidade

amor não se tatua no corpo
nem dele sai pela boca
amor não nasce
em cima de animais
tampouco em maternidades

amor não come
nome ou identidade
não pula muro
ou sobe em árvore

amor não é o que vemos
não volta pra brigar
pra perdoar
nem atravessa idades

amor não diz adeus
não perdoa velhice
não perdoa infância
nem mocidade

amor não tem etiqueta
em vitrines de shopping
amor não se empresta
tampouco dá-se

não falo
de amores fraternos
de amores paternos
de amores desses gêneros
que são só metade

falo do amor
que nasce desejo
transforma-se em paixão
e antes que acabe
chamamos amor
não amizade

falo do amor
entre um homem
e uma mulher
e esse amor
é menos prosa
e mais carne

esse amor
ao contrário
do que se disse
não sabemos
de onde vem
como começa
quando arde

só sabemos
que ele termina
e como termina
em tragédia grega
ou shakespeariana
vestido de organdi azul
e manchas escarlates

amor sempre acaba
em desastre

[2008]

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

...

por enquanto
é preciso separar
a letra da melodia
por ser inútil
ouvir minha voz
entoar nosso canto

por enquanto
é preciso retirar
meus versos da folha
por ser inútil
rimar teu amor
com meus versos brancos

por enquanto
é preciso rasgar
as fotos ao meio
por ser inútil
lembrar do que éramos
se não somos tanto

por enquanto
é preciso soltar
a tinta da pele
por ser inútil
carregar-te comigo
pra todo canto

por enquanto
não posso esperar
que apareças aqui
pra reunir tudo
o que fomos e somos
por encanto

[2009]
...

que bom ver as marcas
da ascendência africana
espalhadas pelo teu corpo
e poder te chamar
de morena
de mulata
de preta

quando te chamo assim
o meu sangue aplaude
relembra das próprias raízes
e me reconheço em ti
eu mulato
eu pardo
eu preto

e passo a afirmar
caetanamente
eu sou neguinha

[2009]